sexta-feira, 25 de março de 2011

Como Pequim deve governar o mundo

"Reforma e abertura" tem sido o mantra da China há mais de três décadas. O resultado tem sido não apenas o surgimento de uma nova superpotência econômica, mas de uma superpotência extremamente integrada à economia mundial. Uma grande questão é, então, como deveria a China usar sua influência. É uma questão que abordei no Fórum de Desenvolvimento da China, em Pequim. Meu argumento foi de que a China alcançou a grandeza e agora tem essa responsabilidade sobre seus ombros.
Esse colosso é hoje o maior exportador mundial e segundo maior importador (depois dos EUA), a menos que a União Europeia seja tratada como uma entidade unidade. A China detém os maiores superávits comercial e em conta corrente do mundo e possui um terço das reservas monetárias mundiais. Seu fluxo de poupança é o maior do mundo. É o maior importador de muitas commodities e determina os preços de muitos produtos. A influência da China é, em suma, tanto generalizada como crescente. Contudo, é também um país em desenvolvimento governado pelo Partido Comunista, combinação sem precedentes.
A China precisa desenvolver sua própria visão de como usar a sua influência. Ao fazer isso, terá de começar por uma definição de seus interesses e objetivos nacionais. O interesse da China, em minha opinião, está em um ambiente político e econômico mundial estável, pacífico e cooperativo. Somente em tal mundo poderá a China conseguir sustentar um desenvolvimento rápido.
Como deveria a China atingir seu objetivo? Em linhas gerais, a melhor maneira de fazê-lo seria mediante maior desenvolvimento do sistema mundial baseado em regras sobre uma base institucional. A alternativa óbvia seria um arranjo hierárquico, com a China no ápice. Mas tal abordagem, receio, resultaria em conflitos incontroláveis com as outras grandes potências. Com essa ideia em mente, consideremos comércio, pagamentos, finanças e recursos naturais.
Como crescente potência comercial mundial, a China é a sucessora natural dos EUA como guardiã do sistema de comércio aberto. Assim é importante que respeite normas e princípios do sistema e desempenhe um papel importante em seu posterior desenvolvimento. Como crescente potência comercial mundial, a China é a sucessora natural dos EUA como guardiã do sistema de comércio aberto. É importante, por isso, que a China respeite todas as normas e princípios do sistema e desempenhe um papel importante em seu desenvolvimento ulterior. A China deveria desempenhar um papel no sentido de levar a interminável Rodada Doha a algum tipo de conclusão. A China tem crescente interesse em proteger sua propriedade intelectual e, por essa razão, interesse correspondente em assegurar sua própria adesão a essas regras. A China também tem um forte interesse em proteger seu crescente investimento estrangeiro direto. Por essa razão, deve defender as regras de proteção dos investimentos diretos estrangeiros. Finalmente, como ator no comércio mundial, a China tem forte interesse em assegurar que os acordos comerciais regionais que cria, ou aos quais adere, sejam compatíveis com as regras mundiais.
Quanto aos pagamentos, a questão imediata diz respeito aos desafios criados, para a China e seus parceiros, em decorrência de seus enormes comércio e superávits em conta corrente. Felizmente, a própria China reconhece que o resultado revelou-se, internamente, desestabilizador. Chen Demin, ministro do Comércio da China, declarou recentemente que o objetivo agora é "estabilizar as exportações, ampliar as importações e reduzir o superávit". Além disso, acrescentou ele: "Espera-se que, neste ano, as importações cresçam mais rápido do que as exportações. A participação do superávit comercial no PIB poderá ficar abaixo de 3,1%, inferior à de 2010". De fato, os superávits comerciais chineses, embora ainda enormes, são cerca de metade do que eram antes da crise.
A China certamente reconhece que o acúmulo de enorme créditos soberanos sobre passivos externo "seguros" deve ser igualado por uma oferta correspondente. Infelizmente, a contrapartida da demanda é, hoje, a desestabilização dos déficits fiscais e externos dos EUA. A China pode ajudar a si mesma acelerando a liberalização das saídas de capital e aumentando a flexibilização cambial.
Além disso, a China precisa desenvolver uma estratégia para uma reforma do sistema monetário mundial coerente com a administração da interface entre seu desenvolvimento interno e a estabilidade mundial. Uma iniciativa desejável seria no sentido de maior coordenação da administração do câmbio com outras economias emergentes orientadas para exportações. É também de interesse da China garantir uma acomodação pragmática com seus parceiros nas discussões no Grupo das 20 principais economias. Isso deveria ter como foco indicadores de desequilíbrio, métodos de ajuste e provisão de liquidez para países em dificuldades.
No terreno financeiro, os objetivos chineses deveriam ser: primeiro, criar um sistema doméstico capaz de apoiar seu próprio desenvolvimento econômico; em segundo lugar, ajudar a promover um sistema mundial que fortaleça uma economia mundial razoavelmente estável; e, terceiro, proteger o primeiro dos excessos do segundo. Para conseguir essa difícil harmonização, as políticas chinesas deveriam pautar-se pelo entendimento de que, no longo prazo, seu sistema financeiro será o centro de irradiação do mundo financeiro mundial. Mas a transição para a plena integração não será apenas demorada, como também complexo e tensa, e a plena integração do setor bancário será particularmente perigosa.
Finalmente, abordemos o acesso aos recursos naturais. Pela primeira vez em sua longa história, a China é dependente do acesso a importações de matérias-primas industriais. Os chineses já são os maiores importadores mundiais de matérias-primas. Para a China, uma política nessa área é, potencialmente, da maior importância. Seu interesse imediato é obter acesso aos recursos naturais do mundo em termos favoráveis. Os chineses decidiram, muito razoavelmente, usar seu capital e mão de obra baratos para assegurar esse objetivo. Isso é não apenas de interesse da própria China, como também dos outros consumidores. Uma vez que os recursos naturais têm preços mundiais, qualquer aumento na oferta é para benefício de todos os consumidores.
Ainda assim, seria útil se um consenso pudesse ser alcançado em termos de investimentos e do comércio de recursos naturais. Um objetivo deve ser o de assegurar que os países exportadores de commodities - especialmente os pobres, com limitada capacidade de governança - beneficiem-se do investimento estrangeiro e das exportações de recursos naturais. A China será um ator central na consecução de tais acordos. Acima de tudo, o mundo precisa de um consenso em torno da convicção de que o princípio subjacente precisa continuar sendo o de livre comércio em mercados mundiais abertos. Os preços precisam ser definidos em competição mundial com, naturalmente, a possibilidade de contratos de longo prazo.
À medida que a China cresce, seu impacto no mundo se expande exponencialmente. É preciso conciliar os imperativos de seu rápido desenvolvimento com a necessidade de ter plenamente em conta seu impacto no mundo. Os chineses terão de desenvolver sua própria agenda, uma agenda que assegure seus objetivos vinculados a um rápido desenvolvimento doméstico e estabilidade externa. Não será fácil. A China não tem alternativa.
*Texto de Martin Wolf ,editor e principal comentarista econômico do Financial Times (http://bit.ly/hBn7Ye)

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