quarta-feira, 29 de junho de 2011

FHC e o carcereiro.

Por Roberto Pompeu de Toledo:
O pai de Fernando Henrique Cardoso dizia que jamais se deve deixar de conversar com o carcereiro. O  filho jamais esqueceu a lição, o pai, general Leônidas Fernandes Cardoso (1889-1965), trilhou a carreira militar nos anos tumultuados dos golpes e "revoluções " tenentistas. Foi preso várias vezes. Dizia que, mesmo preso, era preciso falar, estabelecer contato com o adversário, não deixá-lo longe. Isso possibilitaria passar mensagens para fora da prisão, mas também conhecer melhor o ponto de vista do opositor, a fim de melhor enfrentá-lo ou, ao inverso, de encontrar pontos de convergência. Fernando Henrique Cardoso seguiu o conselho do pai, só não falou, ao longo da vida e, especialmente, ao longo da carreira política, com quem se fechou a qualquer aproximação.
A nenhuma obra o PT e o presidente Lula se lançaram com mais empenho do que a desconstrução de FHC. Fabricaram o discurso da "herança maldita". E tanto martelaram nele que isso acabou por contaminar os próprios aliados do ex-presidente. Seu partido, nas últimas campanhas eleitorais, procurou esconder, quando não renegar-lhe o legado. Outros teriam se abatido  ou reagido com amargura. FHC, em quem a famosa vaidade é temperada pela sabedoria e pelo humor, tocou em frente. Continuou aberto a conversa com os carcereiros. Eis que, ao chegar aos 80 anos, as atenções se voltam para ele e descobre-se que escapou ileso das falsificações históricas e do oportunismo eleitoreiro. FHC ressurge na devida dimensão do presidente que embicou o país num rumo capaz de eleva-lo a novo patamar.
A chegada aos 80 anos teve comemorações além da praxe, tantos foram os eventos e matérias de imprensa, além de duas surpresas. Uma foi a nobre manifestação da presidente Dilma Rousseff, que não só saudou "o acadêmico inovador, o político habilidoso, o ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e  o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica", como encenou a mensagem com um "Querido presidente, meus parabéns e um afetuoso abraço". Outra foi os 80 anos coincidirem com o lançamento do documentário "Quebrando o Tabu", do cineasta Fernando Grostein Andrade, em que FHC aparece como paladino da procura de alternativas à fracassada política de enfrentamento no combate às drogas. Ficou claro,  para quem ainda não havia se dado conta, que não esta aposentado. Sobram-lhe fô1ego e bravura para encarar uma briga difícil, suscetível a mal-entendidos, e de alcance internacional.
FHC não se faria merecedor do respeito e das honrarias que o cercam na efemeridade dos 80 anos não fosse um fator fundamental – enfim, surge alguém, na história do Brasil, que honra a instituição da Ex-Presidência. Instituição da Ex-Presidência?, estranharão alguns. La isso existe? Na verdade, não tem esse nome e poucos conhecem suas regras, mas existe, sim, e é  segredo de alguns países, os Estados Unidos em primeiro lugar. O ex-presidente que honra a Ex-Presidência é o estadista que se alça acima da luta eleitoral, e se põe disponível para os momentos difíceis da nação e as causas apartidárias. Exemplos americanos são Jimmy Carter, devotado à causa dos direitos humanos ao redor do mundo, e Bill Climon, voltado para a defesa do meio ambiente e para a mesma busca de alternativas à atual política antidrogas que motiva FHC.
Condição primeira para o bom exercício da Ex- Presidência é o abandono da arena eleitoral. Nos EUA, isto é mandatório: a Constituição limita  o exercício da Presidência a dois mandatos, e  o costume desaconselha o ex-presidente a rebaixar-se em busca de mandatos de deputado, prefeito ou governador. No Brasil, até onde a vista alcança,  o caso de FHC é único. Getúlio Vargas, deposto em 1945, virou candidato (vitorioso) cinco anos depois. JK saiu da Presidência, em 1960, já candidato à eleição presidencial seguinte, em 1965, frustrada pelo golpe militar. Jânio renunciou em 1961 para virar candidato a governador (derrotado) duas vezes (1962 e 1982) e a prefeito (vitorioso) em 1985. Dos presidentes da última redemocratização, três são senadores e o quarto e potencial candidato a sucessão daquela que lhe sucedeu. A renúncia ao jogo eleitoral é o primeiro requisito ao bom exercício da Ex-Presidência, mas não o único. Outros são identificar as boas causas, ter capacidade intelectual de analisá-las e entendê-las, generosidade para abraçá-las, disponibilidade para defendê-las e, por último, mas não menos importante, jamais deixar de conversar com o carcereiro. FHC é, por enquanto, o único ex-presidente a preenchê-los.

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