sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Itamaraty sabia o que estava fazendo ao endossar a carnificina na Siria.

Quando o Itamaraty, junto com a Índia e a África do Sul, assinou a declaração contra a aplicação de sanções contra Bashar al-Assad que ha cinco meses vem promovendo um massacre contra manifestantes desarmados, alegando que o ditador tinha prometido “reformas políticas” e precisava apenas de tempo para coloca-las em prática, a diplomacia brasileira já sabia que isso era mentira e que o “tempo” que Assad pedia seria usado exatamente para o contrário.
Desde então, ele acrescentou também sua marinha aos blindados e à aviação que já vinha usando contra as cidades mais envolvidas na rebelião. Hama, que seu pai, Hafez, tornou tristemente célebre em 1982 quando a bombardeou por dias a fio matando pelo menos 40 mil pessoas pelas mesmas razões que o filho repete a dose agora, foi varrida, a partir do mar, por uma verdadeira tempestade de balas de metralhadoras pesadas e, em seguida, invadida pelas tropas de Assad que iam de casa em casa arrombando portas e fuzilando sumariamente todos que encontrava, mulheres e crianças inclusive.
Feito o “serviço”, a televisão estatal síria transmitiu, em 4 de agosto, cenas horripilantes de pedaços de corpos flutuando nas águas vermelhas de sangue do rio Orontes, que atravessa a cidade, para sinalizar aos manifestantes do resto do país o que os esperava. Para o exterior, disse cinicamente que se tratava de corpos dos seus soldados “despedaçados pelos manifestantes”.
Não parou por aí, como se sabe. Depois de Hama, os subúrbios de Damasco também passaram por uma carnificina, assim como as cidades de Deir al Zour, Abu Kamal e Latakia. Mais de 2.500 pessoas foram trucidadas até agora.
A redobrada brutalidade que o Itamaraty vem ajudando a prolongar apenas confirma o que fontes ligadas ao serviço secreto israelense já tinham antecipado em relatórios circunstanciados demais para serem postos em duvida que foram publicados no mundo inteiro.
Assad estava correndo contra o relógio.
Cerca de 80% de sua força militar é constituída por soldados conscritos. No dia 2 de agosto (um dia antes do Itamaraty perpetrar a sua perfídia), quando terminava o prazo de serviço de 6 mil deles, o governo anunciou um decreto revogando a sua baixa. É que a chamada de reservistas feita no início de 2011 teve menos e 30% de respostas. Ao mesmo tempo, as deserções vêm aumentando todos os dias. Em meados de julho, 12 mil soldados foram oficialmente declarados desertores. O numero teria subido para 18 mil, segundo fontes israelenses, até a segunda semana de agosto.
Ate 7 de agosto passado seu ministro da defesa, general Ali Habib, de 72 anos, ainda foi visto dando expediente normalmente em seu gabinete. Desde o dia 8, porém, ele desapareceu misteriosamente. Para desmentir os boatos de que tinha sido assassinado em sua casa (houve vários casos de “expurgos” desse genero na alta cupula militar antes), Assad mandou a televisão oficial transmitir “uma declaração do general” feita por uma voz em off enquanto a TV exibia uma fotografia dele, dizendo que se afastara para tratar-se de um câncer de próstata de que se teria operado em julho. Mas não ha nenhum registro dessa “operação”. Habib nunca deixou seu posto antes.
Assad, entretanto, não mostrou nenhuma pressa em substituí-lo. Embora estivesse em curso a semana mais sangrenta do que ele chama de “uma guerra contra terroristas” que desafiam seu governo, o novo ministro, general Daud Raja, nomeado ha poucos dias, é conhecido por nunca se ter envolvido diretamente em operações de campo. Ele cuidava de desenvolver misseis de longo alcance e adaptar outros em poder de Assad para carregar ogivas com agentes químicos.
Mas porque teria o ditador se disposto a alterar toda a cupula do seu comando militar bem no meio dessa “guerra”?
Porque  Assad atribuía o problema das deserções e da dificuldade de recrutar novas tropas à crescente resistência do general Habib em seguir massacrando seu próprio povo.
Na verdade, o mundo inteiro sabe que Habib tinha sido jogado para escanteio ha mais tempo e que a operação de erradicação pelas armas de qualquer dissidência ao regime vem sendo comandada pelo cunhado de Assad, general Asif Shawqat, chefe do serviço de inteligência militar, e pelo seu irmão mais moço, Ali Masher Assad. Mas diante da crescente pressão internacional, Bashar prefere não deixar muito evidente que a carnificina tem estado a cargo das três principais figuras do clan que, ha duas gerações, mantem os sírios sob um regime de terror.
O que Assad pediu ao Itamaraty e a diplomacia lulista concordou em lhe dar, foi o tempo que necessitava para, multiplicando a violência da carnificina, aplicar o golpe de misericórdia contra os homens, mulheres e crianças que, por toda a Síria, vêm enfrentando heroicamente a sua ferocidade de mãos nuas.
Agora ele parece convencido de que conseguiu o que queria. Por isso voltou ontem a falar em conceder “reformas”.
Como lembra Demétrio Magnoli em artigo para O Estado de hoje, a constituição brasileira prescreve, no seu artigo 4to, que o Brasil “rege-se, nas suas relações internacionais” pelo principio da “prevalência dos direitos humanos”.
Depois do alinhamento automático aos apedrejadores de mulheres que se dedicam a construir bombas atômicas que prometem usar assim que estiverem disponíveis do período Lula, Dilma, na sua primeira ação nessa área, acompanhou um voto internacional de repudio ao Irã. Mas já em março, ao abster-se de apoiar a ação internacional para deter o genocídio na Líbia,  mostrou hesitação. Em junho a recusa de receber a iraniana Shirin Ebadi, Premio Nobel da Paz, sinalizou o recuo. E em 3 de agosto, a rejeição à condenação da Síria no Conselho de Segurança da ONU concluiu a restauração da política de Lula, Celso Amorin e Marco Aurélio Garcia que, pela primeira vez na história deste país, condena as próximas gerações de brasileiros à vergonha de termos sido cumplices de um genocida.
Como parece estar começando a acontecer com a decisão de levar adiante a “faxina” depois da primeira conversa a portas fechadas com Lula na semana passada, durou pouco a “primavera de Dilma” no terreno da politica externa.

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