quarta-feira, 16 de maio de 2012

Nordeste: Ao flagelo da seca, junta-se o flagelo político.

Manoel dos Santos e os netos acompanham o sofrimento da vaca Dourada. Dos 40 animais que tinha no curral, 20 já morreram de sede e fome (Foto: Hans von Manteuffel/O Globo)
O Globo publicou ontem uma reportagem sobre a seca no Nordeste que dá o que pensar, Não! Não vou culpar Lula, o PT, o governo etc., como certamente fariam os petistas com a administração federal caso estivesse na Presidência um tucano, por exemplo. É bem verdade que já dispomos de condições técnicas para antecipar medidas. A falta de chuva não é uma surpresa. O que vai abaixo nos leva a pensar a distância que há entre a retórica oficial e os fatos.
O Bolsa Família teve, sim, um impacto positivo na economia do Nordeste, todos sabem. Mas o tal “milagre econômico” na região também foi beneficiado por chuvas, na média generosas nos últimos anos. Agora que a região passa a enfrentar aquela que é considerada uma das maiores secas em muitas décadas — logo, deixem o inexistente “aquecimento global” fora disso… —, o que se vê é que pouca coisa mudou naqueles vastos sertões e naquelas vastas solidões.
Ao flagelo da seca, junta-se o flagelo político — e se nota que a estrutura clientelista lida com os recursos públicos nos mesmos moldes do que já foi chamado um dia “indústria da seca”. Em lugar dos conoréis, os demagogos. As obras bilionárias da mítica transposição do São Francisco não são uma resposta para esse tipo de problema, com essa abrangência. O sertão não vai virar mar. Infelizmente, ainda dependente da chuva, o sertão voltou a virar sertão.
Ah, sim: não obstante essa realidade, os alopradinhos de pança cheia gritam: “Veta, Dilma!”. Querem porque querem diminuir em 33 milhões de hectares a área plantada no Brasil. Querem pobre vivendo de luz, a luz que não falta ao Nordeste…
Leiam o texto:
Seca histórica gera guerra por água no sertão do NordestePor Letícia Lins e Efrém Ribeiro, da Agência A Tarde:
Considerada a pior dos últimos 50 anos em alguns estados do Nordeste, a seca está provocando um confronto que só se imaginaria no futuro: a guerra pela água. Em Pernambuco, essa luta já começou com tiros, morte e exploração da miséria. Protestos desesperados são registrados não só lá, mas em várias regiões do semiárido, onde a estiagem já se alastra por 1.100 municípios. A população pede providências imediatas dos governos para amenizar os efeitos devastadores. A situação só não é pior já que as famílias contam com os programas sociais, como o Bolsa Família. Como observam agricultores, a preocupação no momento é maior com os animais, que estão morrendo de sede e fome, do que com as pessoas.
Na beira das estradas que conduzem ao sertão, o verde não mais existe. Ao longo das BRs 232 e 110, em Pernambuco, carroças puxadas a jumentos magros tomam conta das margens em busca de água. Nos 100 quilômetros de extensão da PE 360, que liga os municípios sertanejos de Ibimirim e Floresta, há 28 pontilhões sob os quais os córregos corriam fortes. Hoje, estão todos secos. Até mesmo o leito do Riacho do Navio - que ganhou fama na voz do cantor Luiz Gonzaga — esturricou. Na última quinta-feira, bois magros tentavam em vão matar a sede e tudo que encontravam era uma poça de lama escura naquele conhecido afluente do rio Pajeú.
Em Pernambuco, 66 municípios do sertão e do agreste estão em estado de emergência reconhecido. O quadro tende a se agravar já que a temporada de chuva está encerrada e os conflitos aumentam. Em Bodocó, no início do mês, o agricultor João Batista Cardoso foi cobrar abastecimento regular na sede local da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e acabou morto. João Batista se desentendeu com o chefe do escritório da estatal, José Laércio Menezes Angelim, que disparou o tiro e hoje está foragido.
Outra face cruel para as vítimas da seca é a exploração: se no passado eram os coronéis que manipulavam currais eleitorais distribuindo água, hoje as denúncias recaem sobre ‘pipeiros’, geralmente candidatos a vereador e seus cabos eleitorais, donos dos caminhões de água. A situação está tão grave que o governo decidiu rastrear todos os carros-pipa que circulam na caatinga. A Compesa começou a fazer operações para conter também o furto da água. Prevista para durar três meses, as ações contam até com helicóptero.
Até a última quinta-feira, foram detectados treze pontos suspeitos, com registro de desvio para campos irrigados. A água roubada do estado também abastecia reservatórios para carregar pipas e até mesmo um tanque com 50 mil peixes em Ouricuri. Segundo a Compesa, a perseguição aos furtos é para garantir água a 200 mil famílias. “As barragens ficaram secas, o povo está com sede, mas o carro leva água para colher voto. Os donos dos caminhões ganham por dois lados: recebem do governo e o voto do povo. As pessoas prejudicadas não reclamam porque têm medo. Há culpa tanto do estado quanto do município”, reclamou Francisco da Silva, sindicalista da região. De acordo com o secretário de Agricultura, Ranilson Ramos, há 800 pipas rodando a caatinga, para atender as famílias.
Na Bahia, a seca é considerada a pior dos últimos 50 anos. A longa estiagem no estado já levou 234 dos 407 municípios baianos a decretar estado de emergência. O governo estadual já reconheceu a emergência em 220. A seca está devastando as lavouras baianas e afetando a pecuária. Os preços dispararam: o quilo do feijão, por exemplo, aumentou 40% este ano. Em Salvador já custa R$ 8.
No Piauí, 152 municípios do semiárido, onde vivem 750 mil pessoas, estão sofrendo. No estado, um caminhão-pipa de até 15 mil litros de água não sai por menos de R$ 120 e as perdas das lavouras de milho, feijão e mandioca foram de 100% — contabilizou o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), Evandro Luz. “A população padece de sede. Muita gente está há 40 dias sem água porque não tem dinheiro para comprar. Plantações inteiras foram perdidas”, afirmou Luz.
Os presidentes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais pediram à Central Nacional de Abastecimento cestas básicas para as famílias enfrentarem a fome. No estado, não há chuva forte desde julho. Por falta de alimentos, pequenos criadores estão soltando o gado para que os animais procurem água e pasto. “Vivemos a maior seca de nossa história”, disse Wilson Martins, governador do Piauí, que em abril participou da reunião com a presidente Dilma Rousseff, que liberou R$2,7 bilhões para minorar os efeitos da estiagem e anunciou a Bolsa Seca de R$ 400. Segundo a Fetag, os recursos ainda não chegaram.
* Por Reinaldo Azevedo

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