sábado, 19 de julho de 2014

Era para perder!

“Humilhante é a forma como o brasileiro é tratado por seus governantes. Humilhante é a forma como o brasileiro encara a realidade. Humilhante é a educação que o brasileiro recebe, os salários que pagamos aos professores. Perder para a Alemanha não é nada”

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Nem todo o romantismo do mundo vai apagar da nossa memória a ideia de que não tínhamos uma seleção e de que toda a Copa do Mundo estava pendurada na chuteira de um jogador: Neymar! Era realmente desigual! A desculpa agora não vai colar! É assim que o Brasil funciona: na base dos salvadores, dos redentores, dos deuses encarnados. Ainda somos um povo monoteísta, mas os deuses são mortais… se machucam… às vezes irreversivelmente… A verdade é que a nossa máquina não funciona… os nossos portos não funcionam… a nossa saúde não funciona… a nossa educação não funciona… pelo menos o futebol haveria funcionar, não???!!!!
A Copa Fifa 2014 não foi nosso prêmio de consolação, Brasil! A gente vai ter de arranjar outro troféu dos perdedores nos campos da vida! O depoimento de um enfermeiro do Samu mostra que, um pouco além do estádio, é de tragédia, e não de espetáculo, que é feito o dia-a-dia do brasileiro. A gente enfrenta uma Alemanha por dia, uma máquina de matar. E muitos brasileiros não sobrevivem. A maioria chora. Chora muito. Chora ao encostar a cabeça no travesseiro e sentir-se totalmente órfão, numa Nação de milhões de brasileiros “gentis”… até que um ladrão pule pela sua janela ou tente tomar o celular do seu filho na volta da escola. Humilhante é a forma como o brasileiro é tratado por seus governantes. Humilhante é a forma como o brasileiro encara a realidade. Humilhante é a educação que o brasileiro recebe, os salários que pagamos aos professores. Perder para a Alemanha não é nada diante disso! Até nos delicia, por um lado, porque perdemos para brancos, altivos e – agora – charmosos e felizes colonizadores. Até nos conforta! Quem sabe não podemos dizer: obrigada, Alemanha! Pior se fosse a Argentina!
No gramado da ilha da fantasia criada pelos oportunistas de plantão – entre eles políticos, cartolas e empreiteiras (quem mais manda neste país?) -, o príncipe foi comido pelo dragão e o reino desmoronou. Mas não tem problema não. Deus é brasileiro, ainda que a vitória seja da eficiência sobre a bagunça. Da técnica sobre a crendice. Da força sobre o improviso. Quem venceu foi a realidade. O circo Fifa mostrou um Brasil que não existe: lindo, branco e encantado. Só esqueceram de combinar o final com os adversários. Fim.
*Extraído do texto de Beth Veloso, Jornalista, foi uma das ganhadoras do Prêmio CNT de Jornalismo pela Campanha Paz no Trânsito, do jornal Correio Braziliense.

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