domingo, 18 de janeiro de 2015

França, a síntese da Europa.

A França que foi vítima de um selvagem ataque terrorista na semana passada é a França que há déca-das e séculos se inquieta com seu próprio declínio. Ela tem visto seu relativo poder diminuir, sofren-do derrotas e humilhações por parte de forças rivais, dos navios da Grã-Bretanha aos soldados nazis-tas da Alemanha e o poder invasivo da cultura popular americana.
Essas inquietações antigas foram ressaltadas pelo ataque mortal ao Charlie Hebdo, um ataque ligado a todos os diversos fantasmas que rondam a França contemporânea: o medo da islamização insidiosa, o crescente anti-semitismo, os temores do crescente poder da extrema direita e a força da reação contra os muçulmanos — e tudo isso ligado num sentido mais amplo, em meio a uma estagnação econômica, à deslealdade da elite do Continente. Mas apesar desses temores, a França não é um país irrelevante ou sem forças. Pelo contrário, ela está se tornando cada vez mais importante e mais crucial para o futuro da Europa e do Ocidente.

Não, a era dos Reis Sol não retornará. Mas política, cultural e mesmo intelectualmente, os eventos na França nos próximos 50 anos poderão ser mais importantes do que antes das duas guerras mundiais. Na verdade, mais do que a Alemanha, a Grécia, ou a Grã-Bretanha, é na França que o destino do século 21 poderá em última instância ser decidido.

O país tem a maior população muçulmana entre todos os grandes países europeus. Partes dessa população estão mais assimiladas eoutras muito mais radicalizadas do que em qualquer outra parte do Continente — 16% dos cidadãos franceses apóiam o EI segundo uma pesquisa realizada no ano passado.

Não surpreende, portanto, que a resposta ao islamismo também esteja dividida. Os muçulmanos são vistos de modo mais favorável na França do que em qualquer outra região da Europa ocidental. De modo que, se existe um caminho para uma maior inclusão e assimilação dos muçulmanos, provavelmente ele será aberto na França. E se a tão temida extrema direita européia sair da marginalidade para se tornar uma corrente dominante, provavelmente observaremos esse fato primeiramente em Paris.

De qualquer maneira, o papel da França deverá se tornar mais importante, ao contrário do alemão, cuja influência vai diminuir. A demografia, fonte de tanta aflição no passado, repentinamente favorece a França. Os alemães são ricos, mas sua população envelhece,ao passo que, mesmo em meio à crise econômica, a taxa de natalidade na França aumenta drasticamente (sugerindo um certo otimismo em meio à apatia). Em torno de 2050, a França poderá ter novamente a maior economia e população da Europa — o que a tornará dominante numa Europa mais integrada, ou a maior potência econômica num continente ainda mais dividido do que hoje.

Se existe alguma coisa que poderá sacudir o Ocidente do seu atual torpor de final de um ciclo histórico, algum novo conflito ou síntese ideológicos, isso deverá ocorrer primeiramente no lugar onde tantas revoluções nasceram.

A França sempre foi o país dos extremos — absolutista e republicana, católica e anticlerical, comunista e fascista. Agora, mais uma vez é o lugar onde forças robustas estão colidindo e onde as incertezas culturais, sobre o Islã, o secularismo, o nacionalismo, a Europa, e a própria modernidade — sugerindo que novas forças em breve surgirão. O declínio é real, mas o futuro não está escrito. Se a Europa ainda se tornar palco de transformações históricas, para o bem ou para o mal, isso ocorrerá em primeiro lugar na bela França.
* Por Ross Douthat, The New York Times

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